O NOVO EM FOLHA
O mundo
E a novidade
se ficarmos presos ao passado nos perderemos na névoa
ou se ficarmos presos na areia esperando o vento nos libertar
nos desfaremos em dunas
o sono
avalanche de sensações difusas
perdidas no espaço de nossos olhares suspensos
O fôlego
bastaria respirar o mundo para que os prédios comessem a Lua da noite inteira
na clara mansidão da madrugada de nossas mãos tocando o silêncio
GRITOS
gritos
tipos sangüíneos
gritos
sangüíneos tipos
obtusos
oclusos
sigma
anima
tampinhas de coca-cola
caixa de fósforos
sapatos velhos rasgados
películas em preto e branco
relógios quebrados
no tempo de outono
mares de verdes emoções amadurecendo
campos de sonhos, liberdade e vôos
O BARCO
Um barco tremeluz com a noite sombria e sua brancura parece-me um carro
E os navios que tornam o horizonte mais distante são a continuação
De uma cidade plausivelmente imaginária
Poesia descritiva. Pragas e praças
Mas há o vento!
E o vento concerne ao corpo o vôo
ENTRE O CÉU E A TERRA
O mar é aqui
ondas sal e vida fóssil
O céu é em cima
Brancas nuvens
Sol e chuva
terra a vista
rocha e sombra
rumores minerais
SEGREDOS ANCESTRAIS
O inferno está no meio dos três
e todos são infinitos mas não são eternos
se meus passos
não são tão largos
minha alma
voa longe
caminhamos lado a lado
e não sabemos onde vamos parar
LUTAR É PRECISO
É preciso cravar os punhos
cerrar os dentes
antes que nos cortem os braços
antes que nos tapem a boca
É preciso correr o mais rápido possível
antes que se fechem os caminhos
e nos batam com a porta na cara
SHIT
City. Lugar. City. Bancos econômicos
e financeiros. A juros, dividendos. Música
registradora. Computação gráfica. Sofismas
de software. Garotas de programa. Gravatas.
Câmbio. Não cobramos taxa de serviço. Shit!
WILL
Quando Will enlouqueceu sabia que era para sempre. Nada mais seria capaz
de assegurar o que ele acabara de perder mesmo que tentasse procurar de
todas as formas o que antes era seu. Ou porque simplesmente não lhe cabia.
Ou.
SINOPSE
Síncope cardíaca generalizada
vascular
neuronial
congênita, crônica.
Flores que nascem no que já morreu
A seriedade dos fatos é absurda
os cálculos
as probabilidades
as lógicas
e os pensamentos analíticos
não passam de colapsos
Piadas engraçadas como os números
a vontade e as gravatas e os relógios e os roubos
e as balanças, os indexadores
os ícones televisivos
Mas há a promessa e o ato. Ainda o fato.
ADEUS
Escrevo! adeus.
um dia: a gente
outro: o amanhã
Sílabas tônicas da saudade. Gostaria imensamente que:
absolutamente nos fosse possível conviver.
mas como mudar o inevitável? como penetrar
nas malhas da possibilidade?
ultimamente a vida nos ensinou coisas que desconhecíamos
sensações e pensamentos entrelaçados pelo inusitado
Então olhei seu corpo e vi o universo
e o universo era doce como seu corpo
METRÓPOLIS
Tomei coca-cola nos elevadores dos prédios mais altos
Nossa!!!
Essa verticalidade toda parecia cair a cada gole
Oh! infame tráfego gasto
pelos carros que buzinam a música popular brasileira
Um viva!
faixas brancas tremulantes no asfalto negro
Fiquei roto
era tanta cor e luz
que meus ouvidos rachavam o ruído da palavras
Por quê? Por quê?
Se tantos demônios caberiam em nosso silêncio profano
Para quê?
Meus pés descalços queimados
pedras urbanas
fumaça nos olhos
multidões inteiras
tumultos em fogo
Canta metrópole tresloucada!
canta que te quero no peito estropiado dos mendigos
na boca espumante dos apaixonados
nos altares de tuas decadentes catedrais
Canta que te quero ouvir
JANELAS
um claro motivo
clarão nos olhos
olhos
olhos
olhos
o vento
lento levando
perpassa prazeres
levanta lembranças
correm os céus
o calor dos braços
abraços ao sol:
murmúrio abrindo
a brisa dos fatos
janelas da alma
nelas há calma
RUMINAÇÕES DE UM CORAÇÃO NOTÍVAGO
Ruminei por noites e dias
a fio
o teu coração
no final!
Rasguei cada pedaço
e depois joguei num rio
distante.
(teu coração me revoltava)
ISLA
sla
sla
sla
o mar ontem amanheceu mais cedo
tão cedo!
Banhei-me nele
(digo que nele banhei-me)
Não é incrível?
todos deviam banhar-se nele
bater as ondas no peito
deixar
molhar-se e vê-lo (cedo)
sem barco
velejar enfim
Pois enfim há tempo
para isso, enfim.
A LAVOURA DAS PALAVRAS
quaisquer que forem, rumores, postes ou reinos
é preciso confiar nas palavras
é preciso ter palavras
frias ou quentes
amar com palavras
com elas
inebriar-se
com
com
o quê?
é preciso na garganta não calar qualquer palavra
plantar as letras e cuidar das lavouras para crescerem frases
cultivá-las, regá-las e alimentá-las com palavras
plantas palavras e palavras carnívoras
alavras
lavras
avras
cavas, ramas
louvores, criações e desejos incontidos
seqüência de letras progressivas e desumanizadas
canções de crianças e matar insônias
palavras
desarticulá-las
e vê-las dançar
nas chamas da vela
dos barcos brandos e mares
brancos
O CAOS
Lembrança heróica de um mundo ultrapassado
Micro chips
máquinas
esferas, hipocrisia, dor e degradação
O que sobra é sempre sombra
resto de coisa alguma
o caos pulsa
devora
agride
germina
O CÍCLOPE
O futuro é um ciclope cuspindo vendavais
um assombro de números
cores
e letras letais
ou seja: se joga uma pedra
para que dela
nasçam montanhas
para dela seja ela não o que antes era ela
um hálito antecipado
um olhar solto das garras do tempo
o espaço antevisto
números, figuras, sondagens. A previdência.
acreditar é tornar possível e passível de conquista
a incógnita praticidade dos instantes
- do efêmero se faz a eternidade
41
modos disfarces, enigmas
formas, situações, senhas
jeitos, constantes, coincidências
coeficientes, sonhos, surpresas
esperas, fatos e contentamentos
ZEN
Você diz que lhe oprimo. Você dorme acordada. A escravidão tem seu preço de liberdade
mas temos o tempo, temos
o tempo zen
nem lento
nem atento
sem
sua sanidade necessita de minha loucura
ou sua loucura necessita de minha sanidade
relâmpagos
em quê.
você dorme acordada
Esse é seu ponto.
CADÊNCIA
cálidas flores
uivos e rezas
lobos e santos
pares díspares por si
Vinte.
névoa e aves do mar
acaso queiras o que é teu
MULTIPLICAÇÃO
Besteiras! Coisas ou causas assim.
Meio que sem qualquer sentido. Meio, o meio: o medo
terror
pânico
pavor
amedrontamento
susto
suspense
necrofilia
amor
o que há entre
portas
e costas
marcas infalíveis
mínimas diferenças
e
híbridos algarismos
Ora! o três vezes
o treze
MAPA MUNDI
Plúmbeo
o sono manso escorre da lua
sonho:
uma vela no meio do barco
um barco no meio do mar
um mar no meio da terra
uma terra
no meio
do nada
e por mais que tentem as árvores
tudo será sempre sono
DANÇA
bailam braços, sombras de luas remotas
ilhas e precipícios
voltas e promontórios
o ritmo e o pulso
imagem tatuada no paladar
quebras naturais
escuras
roupas de uma alma sem vestes
ou preces para remediar
vícios. Enfim, os lances de um dado.
Um signo. Um modo.
FLORAL
As flores brotam
do papel
uma pétala redonda
feito hóstia
levianamente escarlate
sangüínea vitória-régia
INTELIGÊNCIA
Crivar os dentes
eriçar os pelos
drenar e destruir
trucidação
presteza
senso de percepção
momentos, vantagens e vitórias
a luta com todas as suas armas
que me encharcam os átomos
mares de persuasão
o momento em que o sangue escorre da boca
e invade o cérebro
o intenso instante da
animalidade humana
a sobrevivência!
O AMOR
eu queria ter nascido chuva
para me deitar no seu corpo inteiro
- inteiramente nu!
o tempo
certeza de encontro
meus lábios são a noite
da lascívia de seus olhos
eu te respiro
ofegante
e você me convida
- murmúrio e mar
dançamos no vento
temporais
e ferocidade
mansidão voraz
fome de contentamento
o infinito...
A PÁGINA
subsequente página
imaginária
subterrânea palavra
subcutânea cadência
mensagem
SINAL
Situação ribonucleica. Trânsito livre.
Sinalização a distância. Inobservável
instante de beijo, tântrico.
OS SAPOS
o velho ou o novo
ridículo
o ás
os sapos
ourives
as palas
ou tendas
alfinetes
de criança
tumor
algoz
de rancores
joelho de porco e chocolate sírio
suíço destino
suavidade
páginas amarelas
comunicação em
memória dos
escravos de todos os tempos
imemoráveis irreconhecimentos
indefinidamente livres
paz na terra
na terra de
palmos abaixo
coturnos
baforem aos mandarins
que
as ruas hoje
andam
como se não tivessem
mais nada para agrilhoar
os homens
têm janelas
veículos bimotores
aparelhos de som
roupíssimas novas
alienação
dromedários e sede
afora isso
viajamos para a Europa e
conhecemos interessantíssimos
personagens de livros
purgatórios
nuvens
meias por lavar
urinório
assiduidade
idiotia
opa!
houve um ou dois tempos
para
as placas
uma mulher dança despercebida do tempo
piromania
travesseiros
minha mão é a última seqüência da sua
vales
multidões
sensaboria
noite caindo da escada
e gavetas com cabeças de gato
encostando no peito de listras
pálios.
a larva
o verme
a tolice dos deuses e a insensatez
dos homens
água sanitária
carros reluzentes
crânios descontentes
hidrófilos parentes
sono
pêlos
frases e deslizes
avalanches
pães repartidos
distanciabilidade
mantenha-se constante!
demência
sofreguidão
capítulo IV
ampulheta
nave espacial
ritmo
areia
vias de acesso
orfanatos
calçadas de vidro
coração na ponta das mãos
chá
reza
mendicância
androginia
meninas
igreja
quedas
asas
brios
falas de falas e fases de
fadas.
terras nunca dantes imaginadas
tráfico de influências
quantos
pontos
de
interrogação
cabem
na
palma
de
nossas
mãos?
afogamento
sinais de trânsito
invocações
militarismo
insatisfação
rotundas
lunetas
uma fuga
sem cavalo
um amor
antenas de rádio
dunas
fossem as costas de deus
criar a nuca
para a vaga criar espuma
MENSAGEM A SALVADOR
um mandarim mandou buscar trezentas mil gazelas que comeria uma à uma pelos pastos de sua surrealidade ultrapassada de cotidiano. Enfim, a violência.
MEUS OLHOS SÃO COMO PÁSSAROS
carrego nas mãos a distância das nuvens mais altas
anoitece.
vejo cair estrelas sobre o campo
aos poucos semeiam luzes
de sêmen noturno
meus olhos são como pássaros
que ao vê-las voam
e sem me aperceber
com o peito aberto
colho estrelas contente por estar desapercebido de fazê-lo
Alvorece.
chove um vermelho do céu
alumbramento
sustento nos lábios o calor do sol mais quente que há
ESQUECIMENTO
Algum demônio ou anjo
certamente
esqueceu-se de olhar
o mundo quando esse nascia,
acompanhado pela música suave de um cantor não nascido
Pois se tivesse sido mais atento
dançaria com folhas de maconha na cabeça
ao invés de trazer para cá o inferno e o céu
FUGACIDADE
Senta ao meu lado e esquece o amor
(para que eu também o esqueça de vez)
há tanto sol depois das nuvens
Passemos em silêncio enquanto a chuva não molha nossos corpos de tristeza
- Pensei muitas vezes num dia que nunca me chegou, meus sonhos.
Nasceram flores do nosso momento
mas os espinhos brotaram no nosso caminho
(os espinhos são falsos)
- Olha! A chuva já vem. Voltemos a falar, pois logo venta e o vento levará para longe
as nossas palavras
ALEATORIAMENTE
e aleatório
a qualquer sentido humano.
o tempo que
passa.
WALLACE
Quando Wallace de súbito enlouqueceu
a morte próxima o encarava jogando na sua cara desprevenida milhões de xingamentos
Wend brincava na janela com as begônias de sua mãe e a tarde
morria despreocupadamente
ELVIRA, A LOUCA
Ultraje!! Os baldes!!
(gritava Elvira)
caem sem qualquer demora!!!
E brincava Elvira no meio dos lilases
e não se aborrecia. Azul qualquer que fosse o dia
Então revia a água que caía
nas mãos dadas sem se por a par
Gritava Elvira:
Goma de mascar!
Barra de chocolate!!
Leite
veneno e ácido!!!
Chovendo como chove as luas logo cairão para ficarem todas nos lagos
pântanos e, Deus, para ficarem nos meus lábios!
Elvira, a louca
se perdendo em nuvens
Elvira nuvens
constelando-se em chuva
gota à gota
nos seus baldes
gotejando
E pensava Elvira:
A cura para as curvas chuvas
as várias verdades inda verdes
caindo no chão de cara lavada
a cara branca e tonta
Ora, bolas!!! nas cartolas e carteiras tristes!!!
O VOTO NULO
Um voto só não faz verão
Mas, sempre vale mais
um voto na mão
do que dois voando
Um voto se junta a outro que se junta a outro
para chegar um “outro” e esquecer todos que recebeu
acabando de vez com o fio que o povo teceu
Um voto é sempre um voto
Há quem diga ser mercadoria
que se barganha
se troca
se compra
sempre se buscando uma dita benfeitoria
Mas voto é sempre voto
e se não fosse
o que seria do verão?
CORAÇÃO DE LEÃO
matei quem eu amava nas dobraduras de um papel
ficou tão riscado
que fiz de um brinquedo
de papel, um enterro
e se chovia lá fora eu também morria
sem esquecimentos
ou lembranças desnecessárias
eu era uma cinza na chuva
das cinzas do que fora um dia
meu esparramado coração de leão
ríspido e triste
no pedaço de papel que foi teu e me levou
OS ANJOS E O NADA
anjos caem do céu
o céu sem queda os fita
a terra encontra as nuvens
o mar traga montanhas
os campos consomem cavernas
enfim
os anjos nem caem do céu e nem o céu se queda na terra e nem a terra fita montanhas
e nem as nuvens
brincam no ar
Sem dúvida!
SEPARAÇÃO
O cigarro queima a um canto de nós:
no escuro do quarto
vejo vinte milhões
de saudades e culpas
Eu sabia.
mostrou-me pureza
porém
estava tão suja
que seus pensamentos
se perdiam na lama
Frases e dores que se repetiam
verdades entre seus olhos
e costas e coxas mentindo
Procurei não perdoar
entender
subtrair
mencionar
Para assim e só assim
lhe ver rindo vazia
Eu sei. Cuspo na minha cara porque não me faltam palavras.
o tempo se perdeu e
íngremes
dançamos no chão
articulando pedras e acasos
entre os lábios úmidos
e a alma ressequida
OS ABAPORUS
Atônitos, um milhão de abaporus correram soltos pelos guetos e pontes sujas de São Paulo. Queimaram tudo, arrasaram a cidade e semearam o caos; mendigos, banqueiros, velhos e crianças. Nada escapou a sua fome. Destruíram museus, teatros, fábricas, hospitais, igrejas. Implodiram prédios. Sua glória foi vã e seu motivo inexistente. Persistiram e se multiplicaram.
CARNAVAIS
Cáustica
e caótica
uma tempestade brinca no meu corpo
Uma tempestade no meio do fogo
ardendo-me os primeiros sonhos
desconhecida
e diabólica
em cada um dos meus dias
sorve-me a noite traiçoeira
Engrandecendo-se com seus raios
veloz e arqueira
Mas quem chove assim
trazendo seus ventos e precipícios
em nuvens azuis amorosamente cruéis?
A CALIGRAFIA, SUA ARTE E SUAS IMPLICAÇÕES NA PERSONALIDADE
Solidão. Você está ao meu lado, só que a muitos mundos
de distância,
mundos e mundos de distância
cinzas de sonhos
alvoradas
Você está ao meu lado
Sempre ao meu lado
Mas agora
O sonho deixa-lhe vazia
como sempre
se sempre
você estivesse ao meu lado
mas você acorda, mexe-se na cama e os seus pensamentos
são rememorações perdidas do dia que lhe sucedeu
Agora a noite invade o mar de seus pensamentos
Mundos paralelos
mundos infinitos
Poderá a noite encobrir o dia?
Poderá o dia?
Poderemos, todavia, esperar
do óbvio o mistério?
Os vasos nas janelas
Talvez
ainda seja
cedo demais
Pois a madrugada inda brinca com seus orvalhos noturnos
com suas freadas bruscas
seus gritos e sinais urbanos
Minha hora já não é igual à sua
meu instante é o mesmo
mas diferente do seu
Com quantos mundos se faz uma canoa?
ainda teremos tempo
areia escorrendo pelas mãos
dunas e segundos
Onde você estará agora estando ao meu lado?
onde
quer que seja
qualquer
lugar
que você sonha e eu acordado não vejo e nem sinto o cheiro
o toque
o hálito
você está a léguas e léguas daqui
Ao ver seus olhos fechados
seus semi despertos olhos fechados
todavia abertos aos delírios de mundos pessoais
daqueles mundos que nem eu sei dizer como são
daqueles mundos que somente você conhece e deles deixa apenas transparecer
como o suor que sai de sua pele
como as lágrimas que lhe caem por motivos desconhecidos
mundos desconhecidos
significações
interpretações
signos e mais signos
impregnando o ar com suas cores, formas e sabores
Entretanto você não acorda
certamente dormirá até amanhã
Então pela manhã
eu mirarei seus olhos cansados
e despertarei em uma praia
mas em uma praia tão distante
que você nunca saberá quem sou eu
Sua cabeça volta-se
ora de um lado
ora de outro
onde nasce e se põe o sol de sua cabeça cheia de pensamentos e dúvidas e questões insolúveis
sua cabeça repleta
Mas agora você não pode me escutar. Seus sonhos não deixam
porque lhe tornam surdas para as canções do meu mundo
e cega
para o véu que encobre a noite
você está ao meu lado
em um mundo de sombras e imagens que brotam nos campos do sonho
Sua boca está aberta e muda
você dorme o sonho dos justos
Mas eu estou acordado, meus olhos estão despertos
e meu corpo caminha no céu
porque meu sonho mostra seu mundo
e seu mundo é seu sonho diferente do meu
Você não está aqui.
Você está dormindo e eu não sei o que fazer para dormir acordado!
ESTUDOS PESSOANOS
Um vento me joga nas cinzas
me deixa perdido em meio a lembranças
que andam por sobre as calçadas da dor
Como se em repentes transbordasse-me
paisagens de velhas vilas com moças na janela
esperando todas o sonho nascer
E entre a paisagem e o transbordamento
na rua de barro, os cães latem e correm atrás
das bicicletas que passam no meio do meu tonto
coração desatinado
Subsequente a minha devoção
de estar vendo e ser o que vejo
um caminho se abre por cima
do cipestre na estrada que me sinto
Os campônios que caminham
por essa estrada de mim
para o cipestre olham soltos
e cada folha que cai
é outra amarra que se esvai
na outra estrada que não vejo
Quem sabe assim, por não vê-la, nalguma parte
mais perdida ainda de mim, encontre-me eu redundante
enquanto tanto me for possível estar reiterado
noutras pequenas porções de outras exclamações
também perdidas, enfim
Mas sei que o caminho que em mim somo e subdivido é triste
Pois não mais se encontra com o desejo dos loucos
arquejando sob o peso do porvir
Assim foi de longe
que o mito fragmentou-se pela percepção perpétua
dos fundos caóticos que norteiam nossos desejos
E decorre desse ato caminho lembrança
um não sei o quê de solidão
que me tortura e torna-me luz
II
A noite é fria
e sob a luz da lâmpada elétrica
escrevo
escrevo vendo imensos navios se amontoando
por dentro do borbulhar dos passos em pressa
girassolando o eu dos troncos das árvores
nas quais o homem mostra seu rosto frio
escrevo vendo meu copo de vinho beirando metade
e de sonho em sonho caminho calado
por todas as minhas esquecidas terras
E assim flui incansável
um momento de crer raramente
intérprete bêbado, sôfrego em por
todos em muitos tolos votos
Mas os votos são palavras
são faces efêmeras e soltas
largadas
em larguras extremas
por onde escrevo, sinto e sonho
as noites de frio
sob a luz da lâmpada elétrica
Há magia demais nas lâmpadas elétricas!!
E mesmo se não a tivessem
conclamariam os morros a levantar seus punhos
e o celestial
seria terreno
e a bestial beleza
seria uma crina
de cavalo manso
cavalo dança
E M D I S P A R A D A
Escrevo e Cravo!
II
Quando ontem passei pela fina chuva
que em meu peito desnudamente batia
o absurdo das horas como nunca se me mostrou
Um velho, dos mais velhos que já viram minhas cansadas retinas,
cantava dançando com almas nas mãos
e com os pés berrava mentiras mais velhas ainda
do que todas as outras mentiras que se escondem
nos velhos baús que se deixam ficar pelos cantos da casa
E na gruta entreaberta de seus olhos fundos
pungia a dor numa espécie de ferocidade
que em fogo, obscuridade e lamento
cumpria o longo desígnio de correr nas águas do rio
E minhas tardes de sol e tédio e remorso
ficaram grudadas no muro absurdo
do velho e do tempo que dele já era
IV
Mas a chuva em si parou estarrecida
E o antecipadamente doirou
os cabelos na fronte da menina ainda virgem
que era a imagem do céu da minha boca aberta
devorando a podre carne magra do velho homem
Mas o que então esperava eu?!
Se além é claro e os olhos são aquém
No riso vidro areia clara
Gente
Pente bordado pendente
Claro há que não se vê?
Só quem
ignora
detém o saber!!
E por não saber, ama
inabalavelmente
o velho
a fome
a virgem
que fazem do ser apenas um instante de possibilidade
ainda há uma pedra no chão
um clique
um fio de começo
fagulha
cuidado:
as realidades são poucas
e os sonhos
são muitos
A REFLEXÃO
Demorei em horas inúteis
Procurando algo. Procurando
Algo
Provei
Pretéritos mais que perfeitos
imperfeitos
transtornos
... mas onde tardei vieram logo futuros
trazendo ao meu agora
certezas
ECCE HINC
se continuar parado provavelmente saberá
que os rios se afastam e é impossível que
ainda se pense mas como poderiam fazer
constatações sem levantar uma única pedra
veja! ergueram uma bandeira enquanto os
os navios partiam, você não se surpreende?
não lhe perguntarei! esqueçamos de nossos
propósitos, mas onde estão seus olhos?
você os fechou por quê? não percebe o quão
importante são os sonhos? poderiam ser se
você os tivesse ainda, se os desertos são o que
são e não nos agrada saber o que são por mais
rápidos que sejam os aviões e as canetas
esferográficas, meu Deus, teimam em ser livres
what? because la vie est très julie et entonces
olvidamos,
magister dixit
A HIENA DA NOITE CÁLIDA
um risível sofrimento
um risível e ácido sofrimento
rim pâncreas e cérebro
um risível e ácido
um sofrimento que ri! e observa
costelas de adão e porco
dedos músculos gargantas mentes
sapatos palácios gentlmen e escarros
imensidão pequena demais:
os risos riem
Risadas. Cartadas de sorte
rasgadas risadas
ciclones e risonhos furacões
QUE NÃO!!!
que não de Holanda de serafim e mim
que ria a prole
com seus bufões burgueses e sentimentos violentos
Que riam!
pois
quem melhor ri primeiro
consegue
largadas risadas. Noctívagos sorrisos
LUA BASSA
lua baça e sua
silenciosa metade
irmãs de sangue pálido
halos e
tempos lunares
beijos platinos
marés
de saliva
volúpia da lua
peles crispadas
único e surdo desejo
brancas faces
banhadas
em ilhas
olhos do corpo
fotografia
em
preto e branco
SEU CORPO-PALAVRA
temas
maldições
e obsoletos objetos óbvios demais
mas quem à quem daria
nosso pobre coração
às unhas negras e afiadas
da madrugada
torpe e tonto
ponto coração
pronto!
porém nem tudo se rotularia
- Eu li! Parece-me
incrível
que teu corpo-palavra
estrito estivesse escrito
no peito e nas costas
de tantas madrugadas
SEVERINA
pense pense
não pense
Severina Além de Tudo
O meu amor por ti
caindo cândido
por teus cem pés
DIAL
...
UM
Fusão de cores
Rastros
Fosse o tempo mudar você o universo seria preto e branco como um filme
Antigo
Tuas pupilas enormes por sobre a ponte de nossos devaneios
Vagos. Meros. Absolutamente infindos
Ciclo
Vínculo
Elos
o ventre claro de sombras obtusas
Em cantos, voz, nós que não temos, somos, vemos, queremos
Seremos o que não fomos
Forno
Blues
Qualquer coisa que queiramos
Esqueça, sinta
INC
Incorporação e incomparabilidade
A
B
Inconfundibilidade
REFERÊNCIAS LITERÁRIAS
Sento na cadeira da barbearia que não existe,
Não me levanto e nem grito
Nem tão pouco vejo o eclipse lunar
Porque a lua continua inacessível
Também não sinto saudades dos meus oito anos
Não escrevo cartas de amor ridículas, não vejo aves descansando em árvores, nada tenho que é meu
O amor se acabou
envolto numa névoa de ausência,
um segundo suspenso no tempo, suspiro.
Ninguém veio ao meu encontro enquanto fiquei esperando, olhando perdidamente, procurando-lhe
O sono pesa-me os olhos, fecho-os
O coração me dói, fecho-o
Mas queria abri-lo e lhe ver entrar
Dançando um tango de Gardel
Rindo com tamanha doçura
Que a alegria lhe faria levitar
Levanto e não fecho o ferrolho
Que se dane a consciência
Quero esvaziar meu copo e afogar os morcegos
Vê-los nadar na inconsistência de meus sentimentos
Também não iria para Pasárgada
Porque não sei a mulher que quero
Nem sei a cama que escolheria
PORTA-BANDEIRA
A rua inundada pela água suja, a lua
Você matando a sede
nas Minhas roupas rasgadas
Uma porta-bandeira passa sobre nossas sombras
Silenciosa como a chuva que vai
Samba minha cabeça no ronco da cuíca
Minha cabeça de dragão chinês
Paro
Atiro em cem milhões de estrelas dispersas e fujo
Construo tetos de vidro, pontes, anéis
A vida passa como a porta-bandeira
Como o samba que cai com chuva
GAROA
Na garoa dos meus pensamentos
Você caminha à vontade
Desapercebida
Seus olhos pequenos
Cegamente me olham
E no seu olhar
Encontro-me e perco-me
navego
em mares de desassossego
e desfaleço num Mundo de fascinação
De faíscas
Fogueiras inteiras
Estrelas instantes
Enquanto deito meus ombros nos seus pensamentos
Calo-me num silêncio repleto de flores-palavras
Enquanto foge o universo a cada momento
Escrevo-me florestas de páginas virgens
(você deita e foge e eu fico)
PECULIARIDADE
Peculiar
Você olha para o lado e não
Vê O céu
Os cacos de vidro estão espalhados e são como seus olhos vendo tudo em fragmentos, de estrelas e acasos, compassos, florestas e cromossomos
Você olha para o lado e o mundo está à sua volta
Trezentos e sessenta graus de realidade
De Histórias, reviravoltas, revoluções,
Seus olhos pasmos assistem a tudo:
à sua volta o mundo gira enquanto suas mãos famintas tentam alcança-lo
4
tenho todos os motivos do mundo para passar meus olhos pelo ímã das coisas
seus amores, suspiros, audácias
SAX
Invento mundos
Procuro amores
Crio pensamentos
a lua cheia escondia-se atrás das nuvens
enquanto
Você passava sem avisar
Eu olhava e não lhe via
não lhe tinha nos braços nem lhe beijava afoitamente
Você não suspirava e eu permanecia mudo
Imaginando onde estariam seus olhos
Ou se o que eu dissesse lhe tocaria profundamente
Não sei onde estou
mudo
escutando uma música que passa e lentamente se distancia, pulsa
(mas o que dirá essa música?)
mas o amor não espera, eu sei
tem pressa de alguém
quer festa
RÉS
O ser humano é incompreensível
Intolerante, intangível
Incontrolável. O ser humano é imprevisível
O ser humano é inumano
O ser é tempo de fazer-nos
É templo
O ser humano sou eu
Sou você e nós
Passam as cenas de nossas vidas, lembranças
O ser humano é impensável
Impossível e inflexível
E seu sentimento pode ser espuma e pode ser concreto
Poder ser vento, pode ser pedra
Pode ser tudo, pode ser nada
Mas o ser humano é o sentimento
O poético fingimento
A eternidade e o momento
O movimento de todas as coisas
URBANUS
Fumo um cigarro
A fumaça baila à minha frente enquanto escuto os carros na avenida
O mundo é o impacto de todas as coisas juntas, unidas nas distâncias infinitas que se entrecruzam sem saber
Fumo um cigarro e os carros continuam passando pela avenida
Pela avenida da minha vida com seus cruzamentos e semáforos
Com seus encontros e desencontros, seus acidentes, seus desfiles e comícios, com seus carnavais, suas putas e marginais
Com todos os que passam pela avenida, os que ficam e os que vão
Pela vã avenida de minha visão
Míope pela fumaça do cigarro, surda pelo barulho dos carros
Meu coração pulsa, acelera e buzina para outros amores, segue adiante sem olhar para traz, cruza a avenida, vem e vai enquanto a avenida fuma um cigarro e os carros escutam meus pensamentos
SENTINELA
Os loucos sabem
Somente eles que nos olham de soslaio
Que nos olham no fundo dos olhos
Observando e esperando
Desenhando no céu de seus sonhos nosso mundo real, alicerçando-nos
Os loucos brincam nas ruas
Abrem portas e carregam pesadas cartolas sobre suas leves cabeças desmemoriadas
Os loucos nos brindam
Espumam
Gritam e serpenteiam
Plantam e Germinam idéias
cores no arco-íris do nosso olhar
ENSAIO PARA UM PROGRAMA DE TV
O amor caminha pela areia da praia
Deita-se e toma sol de costas, levanta a cabeça, olha em volta
E depois volve os olhos novamente para o livro estendido à sua frente, como se o universo inteiro se concentrasse
O amor é um laço
semente, colheita de vendavais
o abandono da despedida
o contentamento do reencontro
Estende mãos
Envolve braços
Deseja beijos
Toma o corpo
E em grandes goles
Engole a alma
imensa
sonhando céus e oceanos sem fim
O amor lhe olha ternamente e vem deitar-se ao seu lado
Aproxima seus olhos e sorri contente por estar ali
Ternamente junto
Então tudo é um momento único
Indissolúvel, diverso
Sem igual e sem instante
Ou é o dia a dia
O ano sobre ano
Cotidiano
Diverso
Aprendizado de entrelinhas
sonha nascer, crescer e envelhecer junto
mesmo que por um único momento
um único sorriso
CINQUENTA
Cinqüenta folhas ao vento
Cinco vezes maior que o momento
Cento e cinco músicas ao longe,
Escuto calado o som de sua queda-beijo
E paro, sinto
Intensifico
E sopro
O novo mundo de sua queda
AZUL
O mar é azul como o céu
O amor é vermelho como o coração
A fé é cega como o desconhecido
A razão é clara como o dia
Eu sou eu assim como você é você
Como o mar na claridade de um dia vermelho
Cegado pelo amor desconhecido
Você é você assim como nós somos nós
Como a razão da fé é o azul do coração
SEM TÍTULO
E assim
escondido no escuro de meus olhos abertos
absurdamente absorto em desenhos de desejos geométricos
em caleidoscópicos olhares de grãos de areia
...leio seus pensamentos...
e eles são como primeiras pessoas:
Se estivéssemos na chuva e ela automaticamente molhasse nosso corpo
Nu
no mundo despencariam gotas,
cachoeiras, cataratas, arranha-céus, elevadores, aviões, estrelas cadentes e verticalidades oblíquas por entre nossas indizíveis vontades
mas não! estamos vestidos e os índios de outrora se consomem em coca
calçam tênis importados e dirigem carros apertados
enquanto garotas maquiladas com suas mini-saias e saltos altos tiram fotos pelos lobbys dos hotéis
esquecidas de suas mentiras e vidas passadas
mas então
descoberto no claro absurdo de nossas mãos entrelaçadas
beijo-lhe
EGO
o ponto, o ritmo,
o som, o silêncio,
o dia, a noite,
o sono e a vigília,
a dúvida, o enigma, a procura,
o instante e a eternidade,
o samba que não sai,
a chuva que não cai,
o riso, o espanto,
as ruas de pedra e os elevadores,
as janelas abertas em dias de sol,
as manhãs de barcos, a velocidade e a mansidão,
um grão de areia e o nascimento de uma estrela...
sou seus olhos inda verdes correndo pela nudez azul de nossas pupilas
acesas pela escuridão das distâncias semi abertas para o infinito
sou seus olhos
PASSOS
Passos
De Pessoa
De Drumond
Bandeira
Lispectorianos passes de dança
Passos de Andrades, Oswalds, Marios
Macunaímas sensações de parto
Pés diáfanos de estrelas frias
HOJE
Ao som da primitiva voz do instrumento
Alento de inúmeros tons e semi-tons
Percuto letras perdidas nas consoantes embaralhadas de minhas retinas translúcidas
e no primeiro silêncio
danço
acordo o caos
Propago
frases desentranhadas do universo lascivo e alterado de minha garganta
Momento de nunca acabar
canto!
Estanco em sambas, maxixes e maracatus
no choro das cuícas, na alegria do agogô, do repinique, dos surdos, triângulos, afoxês, ganzás e berimbaus
Reco-reco, paus de chuva
Tamborins de todas mudanças
à minha volta o universo gira,
rodopia nas voltas da porta-bandeira
no bumba meu boi do frevo solto
nos terreiros de umbanda
na pele dos atabaques
na roda da capoeira
no transe de todos os santos
pernas mãos olhos
OLHO
Quando lhe olho
vendo-me em nuvem
a noite deita-se
no olho do furacão
pois sou eu quem canta
teus olhos tristes
e levanta os mares
de tua mansidão
Meu sonho olha o seu sono como se o mundo não parasse de fluir
Pretéritos
Perfeitos meios
Modos
Disfarces, enigmas
O mundo no canto da unha
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
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