sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O NOVO EM FOLHA

O mundo
E a novidade

se ficarmos presos ao passado nos perderemos na névoa
ou se ficarmos presos na areia esperando o vento nos libertar
nos desfaremos em dunas

o sono

avalanche de sensações difusas
perdidas no espaço de nossos olhares suspensos

O fôlego
bastaria respirar o mundo para que os prédios comessem a Lua da noite inteira
na clara mansidão da madrugada de nossas mãos tocando o silêncio



GRITOS

gritos
tipos sangüíneos

gritos
sangüíneos tipos
obtusos
oclusos

sigma
anima

tampinhas de coca-cola
caixa de fósforos
sapatos velhos rasgados
películas em preto e branco

relógios quebrados
no tempo de outono

mares de verdes emoções amadurecendo
campos de sonhos, liberdade e vôos



O BARCO

Um barco tremeluz com a noite sombria e sua brancura parece-me um carro
E os navios que tornam o horizonte mais distante são a continuação
De uma cidade plausivelmente imaginária

Poesia descritiva. Pragas e praças

Mas há o vento!

E o vento concerne ao corpo o vôo



ENTRE O CÉU E A TERRA

O mar é aqui
ondas sal e vida fóssil

O céu é em cima
Brancas nuvens
Sol e chuva
terra a vista
rocha e sombra
rumores minerais
SEGREDOS ANCESTRAIS

O inferno está no meio dos três
e todos são infinitos mas não são eternos

se meus passos
não são tão largos
minha alma
voa longe

caminhamos lado a lado
e não sabemos onde vamos parar






LUTAR É PRECISO

É preciso cravar os punhos
cerrar os dentes

antes que nos cortem os braços
antes que nos tapem a boca

É preciso correr o mais rápido possível
antes que se fechem os caminhos
e nos batam com a porta na cara



SHIT

City. Lugar. City. Bancos econômicos
e financeiros. A juros, dividendos. Música
registradora. Computação gráfica. Sofismas
de software. Garotas de programa. Gravatas.
Câmbio. Não cobramos taxa de serviço. Shit!

WILL

Quando Will enlouqueceu sabia que era para sempre. Nada mais seria capaz
de assegurar o que ele acabara de perder mesmo que tentasse procurar de
todas as formas o que antes era seu. Ou porque simplesmente não lhe cabia.

Ou.



SINOPSE

Síncope cardíaca generalizada
vascular
neuronial
congênita, crônica.

Flores que nascem no que já morreu

A seriedade dos fatos é absurda
os cálculos
as probabilidades
as lógicas
e os pensamentos analíticos
não passam de colapsos

Piadas engraçadas como os números
a vontade e as gravatas e os relógios e os roubos
e as balanças, os indexadores
os ícones televisivos

Mas há a promessa e o ato. Ainda o fato.



ADEUS

Escrevo! adeus.

um dia: a gente
outro: o amanhã

Sílabas tônicas da saudade. Gostaria imensamente que:
absolutamente nos fosse possível conviver.
mas como mudar o inevitável? como penetrar
nas malhas da possibilidade?

ultimamente a vida nos ensinou coisas que desconhecíamos
sensações e pensamentos entrelaçados pelo inusitado

Então olhei seu corpo e vi o universo
e o universo era doce como seu corpo



METRÓPOLIS

Tomei coca-cola nos elevadores dos prédios mais altos
Nossa!!!
Essa verticalidade toda parecia cair a cada gole

Oh! infame tráfego gasto
pelos carros que buzinam a música popular brasileira
Um viva!
faixas brancas tremulantes no asfalto negro

Fiquei roto
era tanta cor e luz
que meus ouvidos rachavam o ruído da palavras

Por quê? Por quê?
Se tantos demônios caberiam em nosso silêncio profano
Para quê?

Meus pés descalços queimados
pedras urbanas
fumaça nos olhos
multidões inteiras
tumultos em fogo

Canta metrópole tresloucada!
canta que te quero no peito estropiado dos mendigos
na boca espumante dos apaixonados
nos altares de tuas decadentes catedrais

Canta que te quero ouvir


JANELAS

um claro motivo
clarão nos olhos
olhos
olhos
olhos

o vento
lento levando
perpassa prazeres
levanta lembranças

correm os céus

o calor dos braços
abraços ao sol:
murmúrio abrindo
a brisa dos fatos

janelas da alma
nelas há calma



RUMINAÇÕES DE UM CORAÇÃO NOTÍVAGO

Ruminei por noites e dias
a fio
o teu coração

no final!

Rasguei cada pedaço
e depois joguei num rio
distante.

(teu coração me revoltava)



ISLA

sla
sla
sla

o mar ontem amanheceu mais cedo
tão cedo!
Banhei-me nele
(digo que nele banhei-me)
Não é incrível?
todos deviam banhar-se nele
bater as ondas no peito
deixar
molhar-se e vê-lo (cedo)
sem barco
velejar enfim
Pois enfim há tempo
para isso, enfim.



A LAVOURA DAS PALAVRAS

quaisquer que forem, rumores, postes ou reinos
é preciso confiar nas palavras
é preciso ter palavras

frias ou quentes

amar com palavras
com elas
inebriar-se

com
com

o quê?

é preciso na garganta não calar qualquer palavra
plantar as letras e cuidar das lavouras para crescerem frases

cultivá-las, regá-las e alimentá-las com palavras
plantas palavras e palavras carnívoras

alavras
lavras
avras

cavas, ramas
louvores, criações e desejos incontidos
seqüência de letras progressivas e desumanizadas
canções de crianças e matar insônias
palavras

desarticulá-las
e vê-las dançar
nas chamas da vela
dos barcos brandos e mares
brancos



O CAOS

Lembrança heróica de um mundo ultrapassado
Micro chips
máquinas
esferas, hipocrisia, dor e degradação

O que sobra é sempre sombra
resto de coisa alguma

o caos pulsa
devora
agride
germina



O CÍCLOPE

O futuro é um ciclope cuspindo vendavais
um assombro de números
cores
e letras letais

ou seja: se joga uma pedra
para que dela
nasçam montanhas

para dela seja ela não o que antes era ela

um hálito antecipado
um olhar solto das garras do tempo
o espaço antevisto

números, figuras, sondagens. A previdência.

acreditar é tornar possível e passível de conquista
a incógnita praticidade dos instantes

- do efêmero se faz a eternidade



41

modos disfarces, enigmas
formas, situações, senhas
jeitos, constantes, coincidências
coeficientes, sonhos, surpresas
esperas, fatos e contentamentos



ZEN

Você diz que lhe oprimo. Você dorme acordada. A escravidão tem seu preço de liberdade

mas temos o tempo, temos
o tempo zen
nem lento
nem atento

sem

sua sanidade necessita de minha loucura
ou sua loucura necessita de minha sanidade

relâmpagos
em quê.

você dorme acordada
Esse é seu ponto.



CADÊNCIA

cálidas flores

uivos e rezas

lobos e santos

pares díspares por si

Vinte.

névoa e aves do mar

acaso queiras o que é teu



MULTIPLICAÇÃO

Besteiras! Coisas ou causas assim.
Meio que sem qualquer sentido. Meio, o meio: o medo

terror
pânico
pavor
amedrontamento
susto
suspense
necrofilia
amor

o que há entre
portas
e costas

marcas infalíveis
mínimas diferenças
e
híbridos algarismos

Ora! o três vezes
o treze



MAPA MUNDI

Plúmbeo
o sono manso escorre da lua

sonho:

uma vela no meio do barco
um barco no meio do mar
um mar no meio da terra
uma terra
no meio
do nada

e por mais que tentem as árvores
tudo será sempre sono



DANÇA

bailam braços, sombras de luas remotas

ilhas e precipícios
voltas e promontórios

o ritmo e o pulso
imagem tatuada no paladar
quebras naturais

escuras

roupas de uma alma sem vestes
ou preces para remediar

vícios. Enfim, os lances de um dado.
Um signo. Um modo.



FLORAL

As flores brotam
do papel

uma pétala redonda
feito hóstia
levianamente escarlate

sangüínea vitória-régia



INTELIGÊNCIA

Crivar os dentes
eriçar os pelos

drenar e destruir

trucidação
presteza

senso de percepção

momentos, vantagens e vitórias
a luta com todas as suas armas
que me encharcam os átomos

mares de persuasão

o momento em que o sangue escorre da boca
e invade o cérebro
o intenso instante da
animalidade humana

a sobrevivência!



O AMOR

eu queria ter nascido chuva
para me deitar no seu corpo inteiro

- inteiramente nu!

o tempo
certeza de encontro

meus lábios são a noite
da lascívia de seus olhos

eu te respiro
ofegante
e você me convida

- murmúrio e mar

dançamos no vento
temporais
e ferocidade

mansidão voraz
fome de contentamento

o infinito...



A PÁGINA

subsequente página
imaginária

subterrânea palavra
subcutânea cadência

mensagem



SINAL

Situação ribonucleica. Trânsito livre.
Sinalização a distância. Inobservável
instante de beijo, tântrico.



OS SAPOS

o velho ou o novo
ridículo
o ás
os sapos
ourives
as palas
ou tendas
alfinetes
de criança
tumor
algoz
de rancores
joelho de porco e chocolate sírio
suíço destino
suavidade

páginas amarelas
comunicação em
memória dos
escravos de todos os tempos
imemoráveis irreconhecimentos
indefinidamente livres
paz na terra
na terra de
palmos abaixo
coturnos
baforem aos mandarins
que
as ruas hoje
andam
como se não tivessem
mais nada para agrilhoar

os homens
têm janelas
veículos bimotores
aparelhos de som
roupíssimas novas
alienação
dromedários e sede

afora isso
viajamos para a Europa e
conhecemos interessantíssimos
personagens de livros
purgatórios
nuvens
meias por lavar
urinório
assiduidade
idiotia
opa!
houve um ou dois tempos
para
as placas

uma mulher dança despercebida do tempo

piromania
travesseiros
minha mão é a última seqüência da sua

vales
multidões
sensaboria
noite caindo da escada
e gavetas com cabeças de gato
encostando no peito de listras

pálios.

a larva
o verme

a tolice dos deuses e a insensatez
dos homens

água sanitária
carros reluzentes
crânios descontentes
hidrófilos parentes

sono
pêlos
frases e deslizes
avalanches
pães repartidos
distanciabilidade
mantenha-se constante!
demência
sofreguidão
capítulo IV
ampulheta
nave espacial
ritmo
areia
vias de acesso
orfanatos
calçadas de vidro
coração na ponta das mãos

chá
reza
mendicância
androginia
meninas
igreja
quedas
asas
brios
falas de falas e fases de
fadas.
terras nunca dantes imaginadas
tráfico de influências

quantos
pontos
de
interrogação
cabem
na
palma
de
nossas
mãos?

afogamento
sinais de trânsito
invocações
militarismo
insatisfação
rotundas
lunetas
uma fuga
sem cavalo
um amor
antenas de rádio
dunas

fossem as costas de deus
criar a nuca
para a vaga criar espuma



MENSAGEM A SALVADOR

um mandarim mandou buscar trezentas mil gazelas que comeria uma à uma pelos pastos de sua surrealidade ultrapassada de cotidiano. Enfim, a violência.



MEUS OLHOS SÃO COMO PÁSSAROS

carrego nas mãos a distância das nuvens mais altas

anoitece.
vejo cair estrelas sobre o campo
aos poucos semeiam luzes
de sêmen noturno

meus olhos são como pássaros
que ao vê-las voam

e sem me aperceber
com o peito aberto
colho estrelas contente por estar desapercebido de fazê-lo

Alvorece.
chove um vermelho do céu
alumbramento

sustento nos lábios o calor do sol mais quente que há



ESQUECIMENTO

Algum demônio ou anjo
certamente
esqueceu-se de olhar
o mundo quando esse nascia,
acompanhado pela música suave de um cantor não nascido

Pois se tivesse sido mais atento
dançaria com folhas de maconha na cabeça
ao invés de trazer para cá o inferno e o céu



FUGACIDADE


Senta ao meu lado e esquece o amor
(para que eu também o esqueça de vez)

há tanto sol depois das nuvens

Passemos em silêncio enquanto a chuva não molha nossos corpos de tristeza

- Pensei muitas vezes num dia que nunca me chegou, meus sonhos.

Nasceram flores do nosso momento
mas os espinhos brotaram no nosso caminho
(os espinhos são falsos)

- Olha! A chuva já vem. Voltemos a falar, pois logo venta e o vento levará para longe
as nossas palavras




ALEATORIAMENTE

e aleatório
a qualquer sentido humano.
o tempo que

passa.



WALLACE

Quando Wallace de súbito enlouqueceu
a morte próxima o encarava jogando na sua cara desprevenida milhões de xingamentos

Wend brincava na janela com as begônias de sua mãe e a tarde
morria despreocupadamente



ELVIRA, A LOUCA

Ultraje!! Os baldes!!
(gritava Elvira)

caem sem qualquer demora!!!

E brincava Elvira no meio dos lilases
e não se aborrecia. Azul qualquer que fosse o dia

Então revia a água que caía
nas mãos dadas sem se por a par

Gritava Elvira:
Goma de mascar!
Barra de chocolate!!
Leite
veneno e ácido!!!

Chovendo como chove as luas logo cairão para ficarem todas nos lagos
pântanos e, Deus, para ficarem nos meus lábios!

Elvira, a louca
se perdendo em nuvens

Elvira nuvens
constelando-se em chuva

gota à gota
nos seus baldes
gotejando

E pensava Elvira:

A cura para as curvas chuvas
as várias verdades inda verdes
caindo no chão de cara lavada

a cara branca e tonta
Ora, bolas!!! nas cartolas e carteiras tristes!!!



O VOTO NULO


Um voto só não faz verão
Mas, sempre vale mais
um voto na mão
do que dois voando

Um voto se junta a outro que se junta a outro
para chegar um “outro” e esquecer todos que recebeu
acabando de vez com o fio que o povo teceu

Um voto é sempre um voto

Há quem diga ser mercadoria
que se barganha
se troca
se compra
sempre se buscando uma dita benfeitoria

Mas voto é sempre voto
e se não fosse
o que seria do verão?



CORAÇÃO DE LEÃO

matei quem eu amava nas dobraduras de um papel

ficou tão riscado
que fiz de um brinquedo
de papel, um enterro

e se chovia lá fora eu também morria
sem esquecimentos
ou lembranças desnecessárias

eu era uma cinza na chuva
das cinzas do que fora um dia
meu esparramado coração de leão

ríspido e triste
no pedaço de papel que foi teu e me levou



OS ANJOS E O NADA

anjos caem do céu
o céu sem queda os fita
a terra encontra as nuvens
o mar traga montanhas
os campos consomem cavernas

enfim
os anjos nem caem do céu e nem o céu se queda na terra e nem a terra fita montanhas
e nem as nuvens
brincam no ar

Sem dúvida!



SEPARAÇÃO

O cigarro queima a um canto de nós:

no escuro do quarto
vejo vinte milhões
de saudades e culpas

Eu sabia.

mostrou-me pureza
porém
estava tão suja
que seus pensamentos
se perdiam na lama

Frases e dores que se repetiam
verdades entre seus olhos
e costas e coxas mentindo
Procurei não perdoar
entender
subtrair
mencionar
Para assim e só assim
lhe ver rindo vazia

Eu sei. Cuspo na minha cara porque não me faltam palavras.


o tempo se perdeu e
íngremes
dançamos no chão
articulando pedras e acasos
entre os lábios úmidos
e a alma ressequida



OS ABAPORUS

Atônitos, um milhão de abaporus correram soltos pelos guetos e pontes sujas de São Paulo. Queimaram tudo, arrasaram a cidade e semearam o caos; mendigos, banqueiros, velhos e crianças. Nada escapou a sua fome. Destruíram museus, teatros, fábricas, hospitais, igrejas. Implodiram prédios. Sua glória foi vã e seu motivo inexistente. Persistiram e se multiplicaram.



CARNAVAIS

Cáustica
e caótica
uma tempestade brinca no meu corpo

Uma tempestade no meio do fogo
ardendo-me os primeiros sonhos

desconhecida
e diabólica

em cada um dos meus dias
sorve-me a noite traiçoeira

Engrandecendo-se com seus raios
veloz e arqueira

Mas quem chove assim
trazendo seus ventos e precipícios
em nuvens azuis amorosamente cruéis?



A CALIGRAFIA, SUA ARTE E SUAS IMPLICAÇÕES NA PERSONALIDADE

Solidão. Você está ao meu lado, só que a muitos mundos
de distância,

mundos e mundos de distância
cinzas de sonhos
alvoradas

Você está ao meu lado
Sempre ao meu lado

Mas agora
O sonho deixa-lhe vazia

como sempre
se sempre
você estivesse ao meu lado
mas você acorda, mexe-se na cama e os seus pensamentos
são rememorações perdidas do dia que lhe sucedeu

Agora a noite invade o mar de seus pensamentos

Mundos paralelos
mundos infinitos

Poderá a noite encobrir o dia?

Poderá o dia?
Poderemos, todavia, esperar
do óbvio o mistério?

Os vasos nas janelas

Talvez
ainda seja
cedo demais

Pois a madrugada inda brinca com seus orvalhos noturnos
com suas freadas bruscas
seus gritos e sinais urbanos

Minha hora já não é igual à sua
meu instante é o mesmo
mas diferente do seu

Com quantos mundos se faz uma canoa?

ainda teremos tempo
areia escorrendo pelas mãos
dunas e segundos
Onde você estará agora estando ao meu lado?

onde
quer que seja
qualquer
lugar
que você sonha e eu acordado não vejo e nem sinto o cheiro
o toque
o hálito
você está a léguas e léguas daqui

Ao ver seus olhos fechados
seus semi despertos olhos fechados
todavia abertos aos delírios de mundos pessoais
daqueles mundos que nem eu sei dizer como são
daqueles mundos que somente você conhece e deles deixa apenas transparecer
como o suor que sai de sua pele
como as lágrimas que lhe caem por motivos desconhecidos
mundos desconhecidos

significações
interpretações

signos e mais signos
impregnando o ar com suas cores, formas e sabores

Entretanto você não acorda
certamente dormirá até amanhã
Então pela manhã
eu mirarei seus olhos cansados
e despertarei em uma praia
mas em uma praia tão distante
que você nunca saberá quem sou eu

Sua cabeça volta-se
ora de um lado
ora de outro
onde nasce e se põe o sol de sua cabeça cheia de pensamentos e dúvidas e questões insolúveis

sua cabeça repleta

Mas agora você não pode me escutar. Seus sonhos não deixam
porque lhe tornam surdas para as canções do meu mundo
e cega
para o véu que encobre a noite

você está ao meu lado
em um mundo de sombras e imagens que brotam nos campos do sonho

Sua boca está aberta e muda
você dorme o sonho dos justos
Mas eu estou acordado, meus olhos estão despertos

e meu corpo caminha no céu
porque meu sonho mostra seu mundo
e seu mundo é seu sonho diferente do meu

Você não está aqui.

Você está dormindo e eu não sei o que fazer para dormir acordado!



ESTUDOS PESSOANOS

Um vento me joga nas cinzas
me deixa perdido em meio a lembranças
que andam por sobre as calçadas da dor

Como se em repentes transbordasse-me
paisagens de velhas vilas com moças na janela
esperando todas o sonho nascer

E entre a paisagem e o transbordamento
na rua de barro, os cães latem e correm atrás
das bicicletas que passam no meio do meu tonto
coração desatinado

Subsequente a minha devoção
de estar vendo e ser o que vejo
um caminho se abre por cima
do cipestre na estrada que me sinto

Os campônios que caminham
por essa estrada de mim
para o cipestre olham soltos
e cada folha que cai
é outra amarra que se esvai
na outra estrada que não vejo

Quem sabe assim, por não vê-la, nalguma parte
mais perdida ainda de mim, encontre-me eu redundante
enquanto tanto me for possível estar reiterado
noutras pequenas porções de outras exclamações
também perdidas, enfim

Mas sei que o caminho que em mim somo e subdivido é triste
Pois não mais se encontra com o desejo dos loucos
arquejando sob o peso do porvir

Assim foi de longe
que o mito fragmentou-se pela percepção perpétua
dos fundos caóticos que norteiam nossos desejos

E decorre desse ato caminho lembrança
um não sei o quê de solidão
que me tortura e torna-me luz

II

A noite é fria
e sob a luz da lâmpada elétrica
escrevo

escrevo vendo imensos navios se amontoando
por dentro do borbulhar dos passos em pressa
girassolando o eu dos troncos das árvores
nas quais o homem mostra seu rosto frio

escrevo vendo meu copo de vinho beirando metade
e de sonho em sonho caminho calado
por todas as minhas esquecidas terras

E assim flui incansável
um momento de crer raramente
intérprete bêbado, sôfrego em por
todos em muitos tolos votos

Mas os votos são palavras
são faces efêmeras e soltas
largadas
em larguras extremas
por onde escrevo, sinto e sonho
as noites de frio
sob a luz da lâmpada elétrica

Há magia demais nas lâmpadas elétricas!!

E mesmo se não a tivessem
conclamariam os morros a levantar seus punhos

e o celestial
seria terreno

e a bestial beleza
seria uma crina
de cavalo manso
cavalo dança

E M D I S P A R A D A

Escrevo e Cravo!

II

Quando ontem passei pela fina chuva
que em meu peito desnudamente batia
o absurdo das horas como nunca se me mostrou

Um velho, dos mais velhos que já viram minhas cansadas retinas,
cantava dançando com almas nas mãos
e com os pés berrava mentiras mais velhas ainda
do que todas as outras mentiras que se escondem
nos velhos baús que se deixam ficar pelos cantos da casa

E na gruta entreaberta de seus olhos fundos
pungia a dor numa espécie de ferocidade
que em fogo, obscuridade e lamento
cumpria o longo desígnio de correr nas águas do rio

E minhas tardes de sol e tédio e remorso
ficaram grudadas no muro absurdo
do velho e do tempo que dele já era

IV

Mas a chuva em si parou estarrecida
E o antecipadamente doirou
os cabelos na fronte da menina ainda virgem
que era a imagem do céu da minha boca aberta
devorando a podre carne magra do velho homem

Mas o que então esperava eu?!
Se além é claro e os olhos são aquém
No riso vidro areia clara
Gente
Pente bordado pendente
Claro há que não se vê?

Só quem
ignora
detém o saber!!

E por não saber, ama
inabalavelmente
o velho
a fome
a virgem
que fazem do ser apenas um instante de possibilidade

ainda há uma pedra no chão

um clique

um fio de começo
fagulha

cuidado:
as realidades são poucas
e os sonhos
são muitos



A REFLEXÃO

Demorei em horas inúteis
Procurando algo. Procurando
Algo
Provei

Pretéritos mais que perfeitos
imperfeitos
transtornos
... mas onde tardei vieram logo futuros
trazendo ao meu agora
certezas



ECCE HINC

se continuar parado provavelmente saberá
que os rios se afastam e é impossível que
ainda se pense mas como poderiam fazer
constatações sem levantar uma única pedra
veja! ergueram uma bandeira enquanto os
os navios partiam, você não se surpreende?
não lhe perguntarei! esqueçamos de nossos
propósitos, mas onde estão seus olhos?
você os fechou por quê? não percebe o quão
importante são os sonhos? poderiam ser se
você os tivesse ainda, se os desertos são o que
são e não nos agrada saber o que são por mais
rápidos que sejam os aviões e as canetas
esferográficas, meu Deus, teimam em ser livres
what? because la vie est très julie et entonces
olvidamos,

magister dixit



A HIENA DA NOITE CÁLIDA

um risível sofrimento
um risível e ácido sofrimento

rim pâncreas e cérebro

um risível e ácido
um sofrimento que ri! e observa

costelas de adão e porco

dedos músculos gargantas mentes
sapatos palácios gentlmen e escarros

imensidão pequena demais:
os risos riem

Risadas. Cartadas de sorte
rasgadas risadas
ciclones e risonhos furacões

QUE NÃO!!!

que não de Holanda de serafim e mim

que ria a prole

com seus bufões burgueses e sentimentos violentos
Que riam!
pois

quem melhor ri primeiro
consegue
largadas risadas. Noctívagos sorrisos



LUA BASSA

lua baça e sua
silenciosa metade

irmãs de sangue pálido

halos e
tempos lunares

beijos platinos
marés
de saliva

volúpia da lua

peles crispadas
único e surdo desejo

brancas faces
banhadas
em ilhas

olhos do corpo

fotografia
em
preto e branco



SEU CORPO-PALAVRA

temas
maldições
e obsoletos objetos óbvios demais

mas quem à quem daria
nosso pobre coração
às unhas negras e afiadas
da madrugada

torpe e tonto
ponto coração
pronto!

porém nem tudo se rotularia
- Eu li! Parece-me
incrível

que teu corpo-palavra
estrito estivesse escrito
no peito e nas costas
de tantas madrugadas



SEVERINA

pense pense

não pense

Severina Além de Tudo
O meu amor por ti

caindo cândido
por teus cem pés



DIAL

...


UM

Fusão de cores

Rastros
Fosse o tempo mudar você o universo seria preto e branco como um filme

Antigo

Tuas pupilas enormes por sobre a ponte de nossos devaneios

Vagos. Meros. Absolutamente infindos

Ciclo
Vínculo
Elos

o ventre claro de sombras obtusas
Em cantos, voz, nós que não temos, somos, vemos, queremos

Seremos o que não fomos
Forno
Blues
Qualquer coisa que queiramos

Esqueça, sinta


INC


Incorporação e incomparabilidade
A
B
Inconfundibilidade


REFERÊNCIAS LITERÁRIAS


Sento na cadeira da barbearia que não existe,
Não me levanto e nem grito
Nem tão pouco vejo o eclipse lunar
Porque a lua continua inacessível
Também não sinto saudades dos meus oito anos
Não escrevo cartas de amor ridículas, não vejo aves descansando em árvores, nada tenho que é meu

O amor se acabou
envolto numa névoa de ausência,
um segundo suspenso no tempo, suspiro.
Ninguém veio ao meu encontro enquanto fiquei esperando, olhando perdidamente, procurando-lhe

O sono pesa-me os olhos, fecho-os
O coração me dói, fecho-o
Mas queria abri-lo e lhe ver entrar
Dançando um tango de Gardel
Rindo com tamanha doçura
Que a alegria lhe faria levitar

Levanto e não fecho o ferrolho
Que se dane a consciência
Quero esvaziar meu copo e afogar os morcegos
Vê-los nadar na inconsistência de meus sentimentos

Também não iria para Pasárgada
Porque não sei a mulher que quero
Nem sei a cama que escolheria



PORTA-BANDEIRA


A rua inundada pela água suja, a lua
Você matando a sede
nas Minhas roupas rasgadas
Uma porta-bandeira passa sobre nossas sombras
Silenciosa como a chuva que vai
Samba minha cabeça no ronco da cuíca
Minha cabeça de dragão chinês

Paro

Atiro em cem milhões de estrelas dispersas e fujo
Construo tetos de vidro, pontes, anéis

A vida passa como a porta-bandeira
Como o samba que cai com chuva



GAROA


Na garoa dos meus pensamentos
Você caminha à vontade
Desapercebida

Seus olhos pequenos
Cegamente me olham
E no seu olhar
Encontro-me e perco-me
navego
em mares de desassossego
e desfaleço num Mundo de fascinação
De faíscas
Fogueiras inteiras
Estrelas instantes

Enquanto deito meus ombros nos seus pensamentos
Calo-me num silêncio repleto de flores-palavras
Enquanto foge o universo a cada momento
Escrevo-me florestas de páginas virgens
(você deita e foge e eu fico)



PECULIARIDADE


Peculiar
Você olha para o lado e não

Vê O céu

Os cacos de vidro estão espalhados e são como seus olhos vendo tudo em fragmentos, de estrelas e acasos, compassos, florestas e cromossomos

Você olha para o lado e o mundo está à sua volta
Trezentos e sessenta graus de realidade
De Histórias, reviravoltas, revoluções,

Seus olhos pasmos assistem a tudo:
à sua volta o mundo gira enquanto suas mãos famintas tentam alcança-lo



4


tenho todos os motivos do mundo para passar meus olhos pelo ímã das coisas
seus amores, suspiros, audácias



SAX


Invento mundos
Procuro amores
Crio pensamentos

a lua cheia escondia-se atrás das nuvens
enquanto

Você passava sem avisar
Eu olhava e não lhe via
não lhe tinha nos braços nem lhe beijava afoitamente

Você não suspirava e eu permanecia mudo
Imaginando onde estariam seus olhos
Ou se o que eu dissesse lhe tocaria profundamente

Não sei onde estou
mudo
escutando uma música que passa e lentamente se distancia, pulsa
(mas o que dirá essa música?)

mas o amor não espera, eu sei
tem pressa de alguém
quer festa



RÉS


O ser humano é incompreensível
Intolerante, intangível
Incontrolável. O ser humano é imprevisível

O ser humano é inumano

O ser é tempo de fazer-nos
É templo

O ser humano sou eu
Sou você e nós

Passam as cenas de nossas vidas, lembranças

O ser humano é impensável
Impossível e inflexível

E seu sentimento pode ser espuma e pode ser concreto
Poder ser vento, pode ser pedra
Pode ser tudo, pode ser nada

Mas o ser humano é o sentimento
O poético fingimento
A eternidade e o momento
O movimento de todas as coisas



URBANUS


Fumo um cigarro
A fumaça baila à minha frente enquanto escuto os carros na avenida
O mundo é o impacto de todas as coisas juntas, unidas nas distâncias infinitas que se entrecruzam sem saber

Fumo um cigarro e os carros continuam passando pela avenida
Pela avenida da minha vida com seus cruzamentos e semáforos
Com seus encontros e desencontros, seus acidentes, seus desfiles e comícios, com seus carnavais, suas putas e marginais
Com todos os que passam pela avenida, os que ficam e os que vão
Pela vã avenida de minha visão
Míope pela fumaça do cigarro, surda pelo barulho dos carros

Meu coração pulsa, acelera e buzina para outros amores, segue adiante sem olhar para traz, cruza a avenida, vem e vai enquanto a avenida fuma um cigarro e os carros escutam meus pensamentos



SENTINELA


Os loucos sabem
Somente eles que nos olham de soslaio
Que nos olham no fundo dos olhos
Observando e esperando
Desenhando no céu de seus sonhos nosso mundo real, alicerçando-nos
Os loucos brincam nas ruas
Abrem portas e carregam pesadas cartolas sobre suas leves cabeças desmemoriadas

Os loucos nos brindam
Espumam
Gritam e serpenteiam
Plantam e Germinam idéias
cores no arco-íris do nosso olhar


ENSAIO PARA UM PROGRAMA DE TV


O amor caminha pela areia da praia
Deita-se e toma sol de costas, levanta a cabeça, olha em volta
E depois volve os olhos novamente para o livro estendido à sua frente, como se o universo inteiro se concentrasse

O amor é um laço
semente, colheita de vendavais
o abandono da despedida
o contentamento do reencontro

Estende mãos
Envolve braços
Deseja beijos
Toma o corpo
E em grandes goles
Engole a alma
imensa
sonhando céus e oceanos sem fim

O amor lhe olha ternamente e vem deitar-se ao seu lado
Aproxima seus olhos e sorri contente por estar ali
Ternamente junto

Então tudo é um momento único
Indissolúvel, diverso
Sem igual e sem instante


Ou é o dia a dia
O ano sobre ano
Cotidiano
Diverso
Aprendizado de entrelinhas

sonha nascer, crescer e envelhecer junto
mesmo que por um único momento
um único sorriso


CINQUENTA

Cinqüenta folhas ao vento
Cinco vezes maior que o momento
Cento e cinco músicas ao longe,

Escuto calado o som de sua queda-beijo
E paro, sinto
Intensifico
E sopro
O novo mundo de sua queda


AZUL

O mar é azul como o céu
O amor é vermelho como o coração
A fé é cega como o desconhecido
A razão é clara como o dia

Eu sou eu assim como você é você
Como o mar na claridade de um dia vermelho
Cegado pelo amor desconhecido

Você é você assim como nós somos nós
Como a razão da fé é o azul do coração


SEM TÍTULO

E assim
escondido no escuro de meus olhos abertos
absurdamente absorto em desenhos de desejos geométricos
em caleidoscópicos olhares de grãos de areia
...leio seus pensamentos...
e eles são como primeiras pessoas:

Se estivéssemos na chuva e ela automaticamente molhasse nosso corpo
Nu
no mundo despencariam gotas,
cachoeiras, cataratas, arranha-céus, elevadores, aviões, estrelas cadentes e verticalidades oblíquas por entre nossas indizíveis vontades

mas não! estamos vestidos e os índios de outrora se consomem em coca
calçam tênis importados e dirigem carros apertados
enquanto garotas maquiladas com suas mini-saias e saltos altos tiram fotos pelos lobbys dos hotéis
esquecidas de suas mentiras e vidas passadas

mas então
descoberto no claro absurdo de nossas mãos entrelaçadas
beijo-lhe


EGO

o ponto, o ritmo,
o som, o silêncio,
o dia, a noite,
o sono e a vigília,
a dúvida, o enigma, a procura,
o instante e a eternidade,
o samba que não sai,
a chuva que não cai,
o riso, o espanto,
as ruas de pedra e os elevadores,
as janelas abertas em dias de sol,
as manhãs de barcos, a velocidade e a mansidão,
um grão de areia e o nascimento de uma estrela...

sou seus olhos inda verdes correndo pela nudez azul de nossas pupilas
acesas pela escuridão das distâncias semi abertas para o infinito


sou seus olhos



PASSOS

Passos
De Pessoa
De Drumond
Bandeira

Lispectorianos passes de dança
Passos de Andrades, Oswalds, Marios
Macunaímas sensações de parto
Pés diáfanos de estrelas frias



HOJE

Ao som da primitiva voz do instrumento
Alento de inúmeros tons e semi-tons
Percuto letras perdidas nas consoantes embaralhadas de minhas retinas translúcidas

e no primeiro silêncio
danço
acordo o caos
Propago
frases desentranhadas do universo lascivo e alterado de minha garganta

Momento de nunca acabar

canto!

Estanco em sambas, maxixes e maracatus
no choro das cuícas, na alegria do agogô, do repinique, dos surdos, triângulos, afoxês, ganzás e berimbaus
Reco-reco, paus de chuva
Tamborins de todas mudanças

à minha volta o universo gira,
rodopia nas voltas da porta-bandeira
no bumba meu boi do frevo solto
nos terreiros de umbanda
na pele dos atabaques
na roda da capoeira
no transe de todos os santos
pernas mãos olhos





OLHO

Quando lhe olho
vendo-me em nuvem
a noite deita-se
no olho do furacão

pois sou eu quem canta
teus olhos tristes
e levanta os mares
de tua mansidão



Meu sonho olha o seu sono como se o mundo não parasse de fluir



Pretéritos
Perfeitos meios
Modos

Disfarces, enigmas

O mundo no canto da unha

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